No vídeo “Lixo Extraordinário”, mostra que o artista plástico, Vick Muniz, desenvolveu vários trabalhos, onde incorpora objetos do cotidiano, criando imagens extraordinárias, destacando-se no mercado das artes plásticas.
Sua vida é uma prova de que a criatividade pode e deve ser desenvolvida. Quando observei seu trabalho, verifiquei uma imagem desenhada com “texturas diversas e intrigantes”. Quando me aproximei do seu trabalho, verifiquei que essas “texturas” são constituídas por uma infinidade de pequenos objetos.
O artista continua sua narrativa, discorrendo que quando nos deparamos com um trabalho desenhado com grafite, por exemplo, ao observarmos essa tela, de longe, temos a visão do todo, sem noção dos detalhes, porém quando nos aproximamos mais, podemos perceber com facilidade as partículas do grafite. Ele concluiu que poderia utilizar qualquer material para a criação de imagens, e o que diferenciaria a visão do todo seria a distância do ponto de vista. Pensou que então poderia trabalhar com os materiais mais inusitados como chocolate, açúcar, brilhantes, objetos descartados, encontrados no lixo, etc.
Tudo começou com a escolha do local onde ele buscaria a matéria-prima necessária (o Lixo). Vick procurava um lugar no planeta onde houvesse o maior aterro de lixo, no planeta. Depois de algumas pesquisas encontrou o lugar ideal, no maior aterro sanitário do mundo, localizado no Rio de Janeiro, o Aterro do Gramacho.
Ele percebeu que todas as imagens aéreas do local, quando eram observadas de perto pelo zoom da câmera, apresentavam as características da matéria prima que ele poderia se utilizar para a construção do seu projeto. Do seu ponto de vista, não conseguia perceber as expressões dos indivíduos e todas, ele comenta, “pareciam formiguinhas”.
Nossa sociedade está em desenvolvimento tecnológico constante, porém numa sociedade neoliberalista como a nossa, existem aqueles que são excluídos por esse sistema, vivendo à margem da sociedade, e acabam trabalhando em lugares como o local em que Vick Muniz foi conhecer para realizar o seu trabalho. (No vídeo ele diz estupefacto, para o seu assistente que “aquilo é o fim da linha, na vida de um ser humano”
Sobre essa questão, diz Ostrower:
“(...) O homem contemporâneo, colocado diante das múltiplas funções que deve exercer, pressionado por múltiplas exigências, bombardeado por um fluxo ininterrupto de informações contraditórias, em aceleração crescente que quase ultrapassa o ritmo orgânico de sua vida, em vez de se integrar como ser individual e ser social, sofre um processo de desintegração.” (Ostrower,1976, Pg. 06)
Sua surpresa foi imensa quando percebeu que a avaliação que fez das imagens, não se aplicava às pessoas que trabalhavam no aterro. Nas suas primeiras visitas de carro, sua constatação foi surpreendente. As pessoas ali conviviam na maior expressão de miséria que Vick já havia presenciado. Sua visão, de longe, era de desolação. Sobrevoando a região, percebia as imagens de miséria e dor, uma condição sub-humana.
Apesar do sofrimento observado, no momento em que decidiu se aproximar dessas pessoas, conversando com elas e observando de perto o seu dia-a-dia, teve uma grande surpresa, que foi encontrar lá, pessoas extremamente alegres, bem-humoradas e com muita vontade de viver, num ambiente onde ele imaginava inicialmente que só encontraria tristeza, depressão e revolta.
Vick observa que as pessoas deste lugar, vivem em um mundo que a grande maioria da sociedade desconhece; um lugar onde as pessoas dependem do lixo descartado de outras pessoas para sobreviver. Porém elas enxergam neste material, não apenas lixo, mas um material que pode ser reciclado, gerando o dinheiro tão necessário para si.
Ele encontrou pessoas extraordináriamente criativas. Pessoas que criam um ambiente de trabalho muito positivo enquanto os caminhões da coleta descarregam os restos das casas dos ricos e dos pobres. O cenário que observamos é de um grande número de pessoas tentando recolher materiais, caminhões descarregando contínuamente o lixo, pássaros disputando algo de que possam se alimentar, e a despeito que toda essa movimentação, nos incline a pensar em um caos, numa observação mais acurada identificamos uma ordem subjacente à toda essa balbúrdia que reina no local.
O documentário apresenta, por exemplo, um dos personagens do filme, o Sr. Valter dos Santos que trabalha no local há 26 anos e é vice-presidente da associação dos catadores, falando: “Ser pobre não é o problema. “Ser pobre não ruim, ruim é ser um rico no mais alto degrau da fama com a moral coberta de lama”. Este homem afirma que tem orgulho de trabalhar com o que trabalha e de ser o líder de muitos trabalhadores ligados à associação dos catadores de material reciclável de Gramacho.
Segundo Vik Muniz o momento mágico da arte é a transformação que ela pode gerar, e ele foi capaz de apresentar esta transformação para o mundo. Ao conhecer a região, encontrou mais do que buscava. Além da matéria-prima no aterro, ele encontrou auxiliares para o seu projeto e futuros amigos. Reuniu alguns catadores, tirou algumas fotografias deles e os convidou para trabalhar no projeto. Após esta etapa, alugou um galpão muito grande, projetou as imagens das fotografias no chão e começou a reconstruí-las. Isso foi feito com materiais escolhidos no aterro.
Os personagens principais desta história são Sebastião, o “Tião”, presidente da Associação, o Sr. Valter, vice-presidente, Ísis Rodrigues, Magna, “Irmã”e Suelem, que se tornaram auxiliares de Vick, na construção dos trabalhos.
Seus auxiliares não conseguiam perceber o que estava sendo construído, pois as imagens não faziam sentido. Era como ver um desenho em grafite de muito perto, sem perceber a visão do todo. Porém assim que as imagens eram construídas, seus protagonistas não acreditavam no que viam. Era o seu retrato, perfeitamente desenhado, mas só poderia ser identificado a muitos metros de altura. Estas imagens foram fotografadas e se transformaram em uma nova e respeitadíssima expressão artística, com exposições em todo o mundo.
O primeiro retrato a ser comercializado foi à imagem do presidente da associação, o “Tião”, intitulada “Marat, Sebastião, retratos do lixo” e é arrematada em leilão, pelo equivalente em libras, a cem mil reais. “Tião” foi levado para Londres, a cidade onde aconteceu p leilão e ficou muito emocionado, dizendo, com lágrimas nos olhos, “Tudo valeu a pena, toda essa luta valeu!”
A turnê mundial da exposição se inicia com uma exposição em 2007, no Museu de Arte do Rio de Janeiro, em Niterói, onde, na vernissage, observaremos além de Vick e sua esposa e seu assistente, todos os personagens por ele escolhidos para integrar o projeto. A imprensa está lá e os vemos enriquecendo aquele momento mágico, contando suas histórias, saindo do anonimato.
A quantia arrecada no leilão e com a venda de outros retratos do projeto foi para a Associação, que recebeu diversas melhorias, uma escola para os trabalhadores, equipamentos de informática e veículos para o transporte e materiais e pessoas.
A criatividade de Vick Muniz e seu desejo de ajudar aquelas pessoas ultrapassaram suas expectativas. Todas as pessoas envolvidas no projeto tiveram suas vidas profundamente alteradas. A situação miserável e o descaso do governo pela região se tornaram tão conhecidos que há projetos concretos de não mais se despejar lixo no aterro de Gramacho.
Este vídeo mostra como um artista com consciência pode transformar para melhor, com seu trabalho, boa vontade e criatividade, a vida de um grupo de pessoas, na comunidade. Este filme é um entre tantos outros exemplos, de como a arte pode ser utilizada para construção de uma sociedade melhor, e se isso foi possível, a escola engajada, com professores cientes de sua importância podem também ter a garantia de seu mérito reconhecido.
Maria Simone Rodrigues Passos
07/10/11